

Era ainda pequena quando comecei a perceber o ritual da “Sagrada Família” em casa dos meus avós ribatejanos. A minha avó Teodora recebia a caixa que ficava exposta na sala de jantar, rodeada de fotografias de familiares ausentes e iluminada por velas. Perguntei-lhe um dia porquê colocar velas junto das fotografias, e ela com um semblante solene respondeu: “para dar luz aos mortos!”.
Embora venha de uma família de músicos — o meu avô materno deixou mais de duzentas partituras escritas — a música e o Fado nunca fizeram parte da minha vida. Só aos 46 anos, ao começar a aprender a tocar Guitarra Portuguesa, se abriu diante de mim esse mundo novo.
Nele encontrei a música e o seu estudo mais teórico, mas também o desenho, a ilustração, a pintura e o fascínio pela madeira na construção da guitarra. O que era para ter sido só um hobby, mudou a minha visão de vida e criou um renovado sentido de propósito. Afinal, também eu posso dar dar luz aos mortos, na Música e com a Guitarra Portuguesa. E não é um acaso que a minha "primogénita" se chame Maria da Luz!
Nunca me vi, nem nunca me verei como um luthier, título estrangeiro que não honra os meus mortos (e os seus!), e para lhe ser sincera nem sei se algum dia serei profissional deste ofício. Mas guitarreira traduz bem o amor que tenho pela Guitarra Portuguesa e sentido de gratitude pela grande aventura destes últimos anos!
Margarida Diogo Barbosa (set. 2025)